sábado, 24 de janeiro de 2009

EVOCAÇÃO Tempos de Guiné

Que o diga Paiva, furriel de Cafal que se atreveu com dois soldados a colher laranjas,sendo surpreendidos com um ataque a tiro que os obrigou a proteger-se atrás das árvores que lhes salvaram as vidas,crivadas que foram pelas balas inimigas...
Como só haviam levado uma G3, uma catana e um saco para os frutos,pouco puderam fazer senão disparar de forma controlada, poupando munições,procurar a protecção das próprias árvores e esperar que alguém se apercebesse,no quartel de tiros de G3 em resposta às KALASHS...
Foi o que aconteceu com alguns fuzileiros que partilhavam o espaço connosco e que,de imediato,saindo em linha afugentaram o IN
Este episódio ilustra bem o grau de perigosidade que aquela zona representava sem sombra de dúvida.
A escassos cem metros de casa,já se "embrulhava"...

A determinada altura do processo, mau grado sabermos da proibição mas
tendo em linha de conta que a zona era muito complicada em termos de segurança, lá arranjamos umas chapas de bidon a que juntamos uns troncos de cibo e terra com fartura criando assim um tecto protector que logo de seguida fomos obrigados a retirar por indicações dos "cráneos" de Bissau que entendiam que dessa forma, sentindo protecção, seríamos menos activos.
Lá,na guerra do ar condicionado onde os profissionais se pavoneiam e aproveitam para umas actividades paralelas altamente lucrativas pendurando no fim umas chapinhas definidoras do fim de comissão mais umas medalhas com que se autopremeiam,como se realmente tivessem sido ganhas merecidamente debaixo de fogo,não há a noção do ridiculo...

Ali no Cantanhez, o pó era mais que muito e quando puxado pelo vento dificultava de forma assaz notória,toda a gente, mas em especial os indivíduos que tivessem mazelas a nível respiratório.
Foi o que aconteceu a um dos nossos soldados de que agora não recordo o nome, e que acabaria por sucumbir a uma dessas situações.
Asmático,nunca deveria ter sido integrado no exército, mas vivia-se um período de falta de militares (havia os que por meios fraudulentos conseguiam ser afastados do cumprimento do dever) sendo os seus lugares preenchidos por indivíduos como o caso agora referido... Todos nós conhecemos situações de corrupção a esse nível...

Lembro-me perfeitamente da sua evacuação através dum hélio e quando subiu em maca para o aparelho estou convicto que já era cadáver...
Ali as flagelações eram constantes, bem como alguns ataques mormente ao arame.
Um dia, de regresso de uma operação, "capturamos" dezassete vacas que colocamos num redil improvisado para servirem,mais tarde de enriquecimento à nossa dieta feita "estilhaços" de frango e gazela com massa, para além do peixe da bolanha a que chamávamos peixe carvalho sem v... com arroz cimento, mas via rádio, fomos intimados a levar os animais até ao lugar de captura.
Acção psicológica( psícola como dizíamos) que visava criar uma imagem de protecção às populações mesmo àquelas que se sabia estarem em rota de colisão com Portugal, preferencialmente até com estas, dimanada dos centros de decisão de Bissau onde nunca faltava nada à mesa dos ditos "cráneos" contráriamente ao que era tão comum nos operacionais espalhados pelos território.
A necessidade aguça o engenho, teria sido como dar um tiro no próprio pé, após tanto esforço para capturar o gado e trazê-lo, ser obrigado a levá-lo de novo ao local de origem sem pelo menos ter provado uns quantos bifes...
Convenhamos que seria um autêntico crime!!!
Assim,durante a noite,um dos sentinelas disparou uma rajada para o redil abatendo dois animais desculpando-se com o barulho que terá detectado nolocal e que atribuiu a pessoal inimigo...
A quantidade de carne que as duas reses proporcionaram foi pouca uma vez que os animais eram esqueléticos, mas pelo menos fez-se alternância à gazela e ao frango de estilhaço...

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