sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

EVOCAÇÃO Tempos de Guiné

O tempo passava com períodos melhores e outros nem por isso... até que surgiu o baptismo de fogo através de uma flagelação que deixaria a companhia num pânico total uma vez que a milícia , vivendo paredes meias com o quartel e sendo portadora de armas iguais às que o IN utilizava, começou a disparar para o ar, por cima do quartel, em sinal de regozijo, ambiente de "ronco" que as balas tracejantes lhes propiciavam, dando-nos a falsa ideia de que o inimigo se encontrava ali mesmo, ao arame...
Esse ataque teve o condão do despertar para a realidade ensinando-nos a avaliar bem o poder de fogo contrário e ganhar a necessária calma para poder reagir em consonância...

Recordo-o como se tivesse acontecido hoje mesmo...
Foi pouco depois do jantar que acontecia cedo, talvez pelas sete e picos da tarde numa altura em que praticamente todos os graduados se encontravam ainda na messe ou a jantar ou a tomar o cafezito da ordem...
De imediato, cada soldado, completamente em pânico, reage disparando "para onde estava virado"... Entretanto, o milícia Eusébio apercebendo-se da nossa inexperiência corre ao quartel
e como o nosso grupo era o que estava mais próximo da entrada, é a nós Almeida e eu próprio que nos dá a indicação de que se tratara de uma flagelação de meia dúzia de morteiradas que já tinha acabado faz tempo...
Por todo o quartel os disparos eram contínuos.
O nosso grupo posto em sentido por mim e pelo Almeida, junto à caserna, soltava alguns impropérios contra nós mas aguentava firme sem disparar um tiro...
Juntamente com Eusébio, corri à messe para avisarmos o capitão e todos os outros graduados que ali haviam ficado da necessidade de pararmos o pessoal.
Não foi fácil para ninguém suspender aquilo...
Deu-se a volta ao quadrado onde estavam disseminadas as casernas dos outros três grupos de combate bem como a dos "músicos" da mecánica e serralharia, e a muito custo conseguimos silenciar todos...
O terceiro grupo,esse, esteve ali em sentido sem disparar...
Os quarteis circunvizinhos acreditaram que estivessemos a embrulhar feio pois não paravam de chover as mensagens à procura de informações.
Estava consumado o baptismo.
Se não fôra Eusébio, talvez ainda hoje a companhia fizesse fogo...

Uma noite, após três dias seguidos de flagelações recebemos indicação, via rádio, para procedermos a uma operação punitiva tendo o celebérrimo Marcelino da Mata por companhia juntamente com o seu grupo de soldados, dois ou três para além da dúzia...
Acompanhámo-lo durante uma parte do trajecto para depois o deixarmos seguir apenas com os seus homens e o pessoal de INCHUNFLA.
No comando supremo de todos seguia o capitão João Terrível numa das suas raras incurs~es ao mato, que apenas visitara duas a três vezes mais, quando procurava caçar juntamente com o nosso velho e saudoso Ginja e o alferes Almeida, portador de uma habilidade espantosa para a nobre arte da caça já que nunca o vi falhar um tiro que fosse e mitas foram as ocasiões em que o acompanhei numa perspectiva de segurança e de candidatura ao petisco certo...

Poucos quilómetros após a travessia de uma bolanha onde nos atoláramos quase até ao pescoço, acabaríamos por emboscar enquanto aguardávamos o desfecho do golpe de mão que o extraordinário Marcelino haveria de executar desprovido de auxílio da milícia que entretanto,por imperativos operacionais, havia deixado para trás.
O fogachal foi tremendo. Via rádio, do nosso local de apoio onde dispunhamos de um morteiro 81, apercebemo-nos que a operação havia sido um êxito.
Desta vez Marcelino haveria de trazer prisioneiros, facto absolutamente inusitado até então, e esse gesto implicou a necessidade de instalação de uma tenda enorme em plena parada/terreiro por forma a alojá-los temporáriamente...
A "hospedagem completa" haveria de originar alguma perturbação na nossa despensa mas sem representar nada de insolúvel...

O ar sereno e os óculos de aros de tartaruga num rosto de barba crescida emprestavam-lhe a imagem de missionário, incapaz das atrocidades e violência gratuita quelhe eram imputadas.
Marcelino era o herói mitico de que todos ouvíramos falar um dia, que nada temia, cantado por todos, e do qual se contavam histórias, cada uma mais inacreditável que a outra, povoando assim o imaginário de todos nós militares em chão guinéu aspirantes à comissão acabada e candidatos ao regresso a salvo à metrópole...
Estar perto de Marcelino, cumprimentá-lo, era sentir direito a uma pequeno raio da sua auréola...
Participar com Marcelino, por menor que fosse o envolvimento, como que atestava a nossa capacidade de operacionais...
Com ele "contracenamos" duas vezes, onde na primeira das quais ssurgiria como primeiro sargento, e aquando da segunda ocasião ostentava já o galão de alferes, promoções essas obtidas por distinção.
Ao que parece, foi o unico militar Guinéu com quem o poder de Portugal se preocupou, trazendo-o Spínola antes da independência do território.
Se conseguiu evitar o pelotão de fuzilamento no novo país, acabou preso e torturado pela canalha da 5ª divisão da PREC em Portugal.
Ele que era um dos militares portugueses mais condecorados de todos os tempos...

Associada ao nome do seu capitão, João Terrível, a companhia foi ganhando estatuto VIP em Bissau mercê do apaziguador trabalho operacional na zona, bem como dos contínuos êxitos da "milicia nova", sempre "comandada" por brancos...

A resultante disso foi a imposição da dita ao projecto do "homem grande" que visava a tomada do controle total do Cantanhez onde o PAIGC fazia o abastecimento da comida.Fazê-los ceder pela fome era a intenção do governador.
A operação consistia em quatro fases distintas:

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