sábado, 24 de janeiro de 2009

EVOCAÇÃO Tempos de Guiné

Primeiro o trabalho da força aérea despejando napalm nos locais onde se pretendia edificar.
Depois seriam as forças especiais no terreno a "limparem" os focos de resistência.
A terceira fase consistiu na entrada das máquinas da engenharia militar para criar as condições básicas de instalação de companhias no terreno, abrindo covas/habitação.
Por fim,seria a vez da "tropa macaca" tentar fazer do espaço a sua habitação fixa, tendo ainda por missão a feitura de tabancas para reordenar as populações dentro de um perímetro pré definido de controle pelas companhias.

Obviamente, a ideia trouxe custos a quem teve a desdita de participar nesta última etapa.
É que passamos a ser o alvo fixo da bateria de morteiros inimiga,que com grande mobilidade se instalava para atacar dois ou três aquartelamentos da zona.

Não conseguindo de Lisboa o reforço de efectivos estimado para uma operação daquela envergadura, Spínola seguiu a máxima de que quem não tem cão caça com gato, isto é,fez uso do improviso,tão a gosto dos portugueses,e retirando uma companhia daqui e dois grupos de combate dacolá... foi reunindo o mínimo dos mínimos de que carecia para dar corpo ao projecto...
Meu Deus o que nós passamos!
Seria no âmbito dessa operação que nos calhou em sortes (1º e 3º grupos...)avançar uns meses antes da companhia em voo atribulado para CUFAR num NORD ATLAS provavelmente do tempo da "maria cachucha", onde apanharímos depois uma LDG que nos deixaria num porto improvisado de CAFAL BALANTA ficando então adidos à companhia ali residente há poucos dias, companhia essa que partilhava o espaço com tropa especial,
mormente fuzileiros.
A situação de doença de uns e ausência por férias ou destacamento para Bissau de outros,redundou num emagrecimento grande nos dois grupos já que seguimos apenas cerca se quarenta homens,sem qualquer oficial,já que o alferes Prata do 1ºgrupo permanecia em férias e o periquito Forte que viera substituir muito tardiamente o alferes Almeida(que rumara para a Justiça em Bissau dada a sua condição de jurista)
mal chegara a Bissum conseguiu "criara as condições para ser evacuado para Bissau a pretexto de uma queda...)
Foram pois os sacrificados do costume(1º e 3ª grupos) a avançar para a guerra a sério...
Umas quatro dezenas de homens esfarrapados comandados pelo autor destas linhas na qualidade de furriel mais antigo(tinha a melhor nota entre os atiradores...)iria tentar sobreviver em condições infrahumanas de habitabilidade num território hostil a todos os títulos.
Logo a mim,o mais anti-militarista de todos mas talvez também um dos mais sofredores e cumpridores, caberia a missão de ter de apresentar aqueles "maltrapilhos" a um oficial de alta patente ( creio que um brigadeiro da força aérea...)
ZÉ Maria Vilares e Moura foram os outros dois furrieis a quem o azar do abandono prematuro de Bissum impedira de provar os produtos hortículas da famosa ecológica horta de Naga que eu aquando da primeira vinda de férias, ajudara a criar ao levar tudo quanto era semente (compradas curiosamente na casa de um ex-ministro de um dos primeiros governos saídos da intentona militar abrilina, Alípio Dias de seu nome, no Porto...) e a que o primeiro Ginja,acolitado por Cepeda,dera corpo.

DO pessoal,ser-me-á dificil lembrar-me da maioria mas eles sabem que encontrei em todos o gene da gente sofredora,lutadora,capaz, apanágio do português.
Não regatearam esforços, antes dando o seu melhor, entregando-se de corpo e alma ao projecto de sobrevivência que todos tínhamos em mente, desde a primeira hora, e que passava também por procurar cumprir aquela dificílima missão dos reordenamentos feita
em zona altamente perigosa...
Quanto mais depressa executassemos o trabalho de feitura das tabancas mais rapidamente poderíamos aspirar a sair de lá,(confiando no que havia sido prometido
pelos altos comandos ao capitão Terrível...)
A gente desse tempo, náo mentia como os actuais políticos...
Haviam sido formados nos valores da dignidade e do respeito da pessoa humana...

Chegados a CAFAL, apresentados ao capitão daquela unidade foi-nos indicado o local de acampamento.
Deram-nos a zona confinante com a bolanha,talvez o unico lugar passível de sofrer ataques, e ainda uma parte da frente do laranjal...
Os "apartamentos" que nos confiaram foram umas quantas covas nuas onde nos dividimos em grupos de quatro ou cinco( diga-se de passagem que os deles tinham o mesmo visual de Robinson Crusué onde a palha e as folhas de palmeira tinham lugar de destaque já que nos estava vedada a hipótese de forrar o tecto a chapa de bidon e troncos...)
A cama era um colchão pneumático,nalguns casos já furado como o meu,que me obrigava
a encher uma ou duas vezes por noite antes de adormecer.
Enquanto não chegou o arame farpado para delimitarmos o nosso espaço não descansamos.
Foram dois ou três dias sem dormir, em contínuo sobressalto, temendo que o IN pudesse atacar-nos de surpresa enquanto cochilassemos...
Parece incrível como um simples arame farpado onde penduramos umas quantas garrafas vazias e outras tantas latas de refrigerantes, já criava alguma sensação de segurança.

Algum tempo depois fomos visitados pelo homem do monóculo,"homem grande" como lhe chamavam os guinéus, que sem sair da zona protegida do helicóptero a trabalhar, nos haveria de encher de promessas relativamente a tudo aquilo de que precisássemos...
- Sois os sacrificados desta guerra, uns verdadeiros herois que servem a Pátria nesta fase difícil.
Que podemos fazer para vos compensar?
Apenas dar-vos a certeza de que o vosso esforço não será em vão, e prometer-vos todo o apoio de que careçam para minimizar as dificuldades, no tempo em que aqui estiverdes nesta gloriosa missão de defesa da nossa querida Pátria!
Tudo aquilo que estiver ao nosso alcance será feito, por forma a proporcionar-vos a regularidade de envio de frescos alimentares e correio.

Efectivamente, nos primeiros tempos ainda vinham uns frescos e correio, atirados em sacos de rede por para-quedas, mas fruto da intensificação e sofisticação do material de guerra posto à disposição do IN pela então União Soviética- os grandes amigos dos "revolucionários" portugueses(?)-como os misseis terra ar e aviões MIG, bem melhores que os nossos já caducos FIAT,os pilotos recusaram voar daí a necessidade de nos deslocar-nos em pequenos barcos com motores fora de borda,os SINTEX,( curiosamente feitos na fábrica do mesmo nome,hoje extinta,em Crestins/Maia)
correndo sérios riscos de ataques vindos das margens no trajecto fluvial que separava CUFAR de CAFAL-BALANTA e mais tarde CAFINE.
É que as LDM ou LDG que subiam ou desciam o CUMBIDJAN faziam-no sempre batendo zona com as Wellington( a arma que roubou um dos braços ao Ernesto aquando da vinda do resto da companhia para o sul com o objectivo de instalação em CAFINE que distava pouco mais de um quilómetro de CAFAL) enquanto que aquela pequena casca de noz que utilizávamos ~mal tinha espaço para trazer alguns géneros e dois ou três soldados com o piloto...

Como atrás referi, havia um laranjal pejado de citrinos a pedir que os colhessem acicatando-nos a vontade de comer, mas apesar de se situar a escassos cem metros do arame farpado, era já um lugar perigoso pois os indivíduos do PAIGC que dali haviam sido desalojados via napalm, regressavam quase diariamente,à socapa,para apanhar os pertences, e algum gado miúdo, deixados para trás na desenfreada fuga que haviam encetado.
Tiros ouviam-se por ali com regularidade...

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